1.) Não houve favoritismo no Oscar 2013. A julgar pelo número das indicações, muitos apostaram em Lincoln, de Steven Spielberg, como um dos filmes favoritos, mas, entre os principais prêmios, apenas Daniel Day-Lewis, que faz o papel-título, levou para casa a estatueta. Day-Lewis é, realmente, um ator excepcional (Meu pé esquerdo, Sangue negro...), intérprete de primeiro time que encarnou o famoso presidente dos Estados Unidos que aboliu a escravatura em seu país. O fato é que a Academia de Artes e Ciências de Hollywood tem uma relação de amor e ódio com Spielberg, apesar de já tê-lo premiado por A lista de Schindler eO resgate do soldado Ryan. O Rei Midas de Hollywood, como é chamado, fica sempre a roer as unhas, esperando o seu Oscar. Mas Lincoln foi devidamente esnobado pelos acadêmicos, que preferiram Argo, de Ben Affleck, uma produção do ator e diretor George Cooney, que, certamente, muito o ajudou na direção. Trata-se de um thriller bem feito sobre uma turbulência diplomática entre o Irã e os Estados Unidos (o trabalho de Alan Arkin, como coadjuvante, é excepcional, mas não lhe foi dada a devida atenção). Jennifer Lawrence foi a vencedora do Oscar de melhor atriz em detrimento da inexcedível interpretação de Emanuelle Riva emAmor, de Michael Haneke, aquela atriz inesquecível de Hiroshima, mon amour (1959), de Alain Resnais. O taiwanês Ang Lee recebeu o prêmio de melhor diretor por As aventuras de Pi, um realizador de prestígio que, saindo de seu torrão natal, fez carreira prodigiosa em Hollywood (Tempestade sobre o gelo, O tigre e o dragão, e, na Inglaterra, Razão e sensibilidade, além dos criativos A arte de amar, O banquete de casamento, e Comer, beber, viver, obras realizadas em seu país de origem).
2.) Tarantino já criou um estilo, uma maneira própria de fazer cinema, de articular os elementos da linguagem cinematográfica. Sua força se encontra na capacidade de absorver gêneros e clichês do pretérito evomitá-los sob nova perspectiva. A influência de O grande golpe (The killing, 1956), de Stanley Kubrick, já se sentia notória em Cães de aluguel eJackie Brown: o jogo com o tempo cinematográfico, a visão de um acontecimento sob vários ângulos. Mas a partir de Pulp fiction é que o estilo Tarantino se tornou uma praxe, cujo auge está em Os bastardos inglóriosDjango livre deu a Cristoph Woltz um merecido Oscar de melhor coajuvante, ele que brilhara como o coronel nazista de Bastardos. Também Django livre recebeu a estatueta de roteiro original. Quentin Tarantino se formou em cinema vendo filmes e filmes numa locadora, e, por inteligente, aprendeu todos os truques da linguagem cinematográfica. Diferente dele é Michael Haneke (Oscar de melhor filme estrangeiro porAmour, com as presenças olímpicas de Jean-Louis Trintgnant e Emanuelle Riva), um realizador que observa os choques da sociedade contemporânea sem um pingo de sentimento por eles: Violência gratuita, Cachê, A fita branca, entre tantos, e este olhar sobre o processo de degenerescência dos seres humanos no, para muitos, chocante, Amour. Interessante observar que embora Argo tenha conquistado o prêmio de melhor filme, seu diretor, Ben Affleck, não foi indicado para a categoria de diretor. Paradoxo?.
3.) O fato é que o Oscar não serve como sistema de aferição do valor cinematográfico de um filme, pois uma festa cujo objetivo precípuo é a premiação dos filmes que ajudam a consolidar a indústria. O Oscar é, antes de tudo, uma festa para se ver os diretores e atores a desfilarem no tapete vermelho, aguentar as piadinhas costumeiras, números musicais bem caprichados (mas sem a música e as letras que fascinavam substituídas pelo barulho insolente), algumas retrospectivas interessantes, certas homenagens simpáticas. O cinema é, antes de tudo, um espetáculo, já disse Costa-Gavras num seminário audiovisual e de cinema acontecido há alguns anos em Salvador.
4.) Por que certos realizadores indiscutivelmente geniais, a exemplo de Orson Welles, Jerry Lewis, Hitchcock, entre tantos, nunca levaram um Oscar para casa? Sim, há outros que levaram pelo conjunto de sua obra, mas é diferente. Lewis, que somente será reconhecido como gênio do cinema depois que morrer, há alguns anos recebeu um Oscar por causa de seu trabalho em pró de deficientes físicos. Na hora que recebia a estatueta, sutilmente discursou que o que gostaria era de ter recebido um Oscar pelo seu trabalho como artista. A beneficência não deveria ser premiada, pois é um dever de cada um de nós.
5.) Em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), de George Cukor, há uma sequência na qual é apresentada uma cerimônia de entrega do Oscar, que é recebido pela personagem interpretada por Judy Garland, que acaba derrubada por James Mason completamente bêbado. O que importa, no entanto, nesta alusão, é verificar como a cerimônia do Oscar era modesta em relação à dimensão gigantesca que se transformou atualmente. Era realizada num imenso salão, com as pessoas sentadas em mesas nas quais eram servidas comidas e bebidas. Um grande jantar, em suma. Com um palco armado e uma orquestra. Transmitida pela televisão, esta, naquela época, não passava de uma caixinha em imagens em preto e branco. E somente alcançava a transmissão alguns pontos específicos dos Estados Unidos. Em A star is born, o genial Cukor, ainda nos primórdios do CinemaScope, dá, a este formato, uma dimensão estética no aproveitamento singular do espaço cênico. Mas, outra história.
6.) O Oscar hoje tomou uma dimensão avatariana. O trabalho de marketing é gigantesco, mundial. Festas são organizadas para o acompanhamento da cerimônia e há prêmios distribuídos pela imprensa, principalmente pela internet. Há até, pela imposição atual da sociedade maléfica de consumo, uma certa obrigação de se ver a transmissão televisiva. A patuléia, como se sabe, segue, rigorosamente, o que dita o consumismo contemporâneo.
7.) Houve um tempo em que os brasileiros somente tomavam conhecimento dos vencedores do Oscar dois dias depois pelos jornais. Mas a cerimônia começou a ser transmitida, se não me engano, a partir de 1973, com as imagens já a cores. Naquele tempo via todo ano a entrega das estatuetas, porque os filmes eram melhores e havia, ainda, muita gente talentosa, muitos diretores famosos, muitos atores de primeiro nível, que, parece, estão a desaparecer a cada ano que passa. De repente, para anunciar o Oscar de melhor montagem, Alfred Hitchcock. Para o de melhor música, Henry Mancini etc. Um tempo em que ainda existiam os grandes diretores do cinema americano. Nunca me esqueço do Oscar de filme estrangeiro dado a François Truffaut e sua emoção ao recebê-lo por causa de A noite americana. Quando Marlon Brando o ganhou pela segunda vez, pelo O poderoso chefão (The godfather), mandou, em seu lugar, uma cheyenne para recusá-lo. George C. Scott também o recusou, premiado por Platton, arguindo que é dever de um ator trabalhar bem e um ator não deve trabalhar para ganhar prêmio.
8.) O cinema brasileiro vive nos grilhões da captação de recursos. Para um projeto ser aprovado pelos marqueteiros das empresas da iniciativa privada, o filme tem que ser exequível e viável comercialmente. O cinema brasileiro não está a pensar bem o Brasil contemporâneo. Por que não se faz filmes sobre os mecanismos de corrupção na política, sobre a elite que consome drogas, sobre os bastidores do poder? Porque não seriam aprovados na captação de recursos. Salvou-nos recentemente O som ao redor, do competente Kleber Mendonça Filho, da mediocridade ululante e geral.
Instituído em 1927, pelos trabalhadores da indústria cinematográfica, a primeira cerimônia de entrega do Oscar, porém, somente aconteceu dois anos depois, em 1929. Três histórias cercam a escolha do nome Oscar, que batizou o prêmio quatro anos após ter sido instituído. Uma delas conta que a secretária da Academia, Margareth Herrick teria achado a imagem parecida com a de seu tio Oscar, ela se referia a Oscar Pierce, um fazendeiro do Texas. Outra atribui o apelido a Bette Davis, que, brincando, afirmou que a estatueta era "a cara" de seu ex-marido Harmon Oscar Nelson. Mas, na verdade, queria dizer, nas entrelinhas, que esta "cara" ficava mais embaixo. Para alguns, o Oscar é um símbolo fálico.